20 setembro 2006

A propósito de "Volver"


O novo filme do realizador manchego Pedro Almodôvar, não sendo o seu melhor filme, faz-me reflectir em algumas questões. Num crescendo que se confirma a cada nova metragem, a fotografia de "Volver" é excepcional. A arte dos ângulos, das cores, das perspectivas, da paisagem, é de uma riqueza notável. O tema é o retrato de uma mentalidade espanhola, por demais trabalhada por Almodôvar, e que neste novo filme ganha contornos de uma trama complexa, envolvendo a vida de uma familia de quatro mulheres.
A pergunta que me suscita o filme, e que justifica este texto é a seguinte: Será que se um realizador português trabalhasse a realidade nacional e provinciana do Portugal profundo e do bas-fonds do urbano, mas também do rural, de uma forma semelhante a Almodôvar, será que esse mesmo realizador teria algum êxito entre o nosso público? Certo que Almodôvar tem tanto de genialidade como de polémica entre o público espanhol, e nem todos os seus compatriotas são seus admiradores, mas o seu lugar na sétima arte está garantido para a história do cinema espanhol.
E Portugal? Imaginemos um cineasta que retratasse a vida beata, mesquinha até, pobre e saloia de uma aldeia portuguesa ou dos arredores de uma grade cidade; as suas personagens, as paixões, os segredos, as superstições, os vicios... Será que o filme teria êxito? Responderão alguns, se ele tivesse a genialidade de Almodôvar...Talvez!
Lembro-me de assistir no cinema, há um par de anos, ao filme de João Canijo " Ganhar a vida". Gostei imenso daquele retrato frio e objectivo da vida dos emigrantes portugueses em França. Duro sem dúvida, mas de um realismo surpreendente!
Ouvi depois comentários de muita gente indignada. O filme dava uma péssima imagem dos portugueses e sobretudo dos emigrantes!!
Penso que uma das razões do enorme êxito que o cinema espanhol conheceu nos últimos anos, e que é hoje uma referência, se deve ao facto de o público espanhol ter aprendido a viver com a sua própria imagem, de a absorver, de a ironizar, de brincar com ela, de a viver. Os portugueses, ao contrário, estão demasiado apegados a uma imagem, não à sua, mas àquela que gostavam de ser. No mundo actual, que é o das imagens, o deslumbramento e o desejo de pertencer a uma imagem perfeita, sem mácula, sem dor, sem vergonha, vale tudo. O importante é estar dentro, é não ser excluído, mesmo que o preço seja a própria realidade.

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