24 outubro 2006

A Cultura segundo o Eng. Pinto de Sousa II


O Eng. José Sócrates Pinto de Sousa, Primeiro-Ministro de Portugal, anunciou faz tempo, um acordo entre o Estado português e a Fundação Joe Berardo.
O acordo parece interessante, mas não é, senão vejamos, aproveitando as dicas do bloguer DRS.

1. O Acordo entre o Estado Português e Joe Berardo para a constituição de uma Fundação é naturalmente legítimo. São ambos fundadores e detém iguais opções de compra, o Estado da colecção Berardo e Berardo das novas aquisições entretanto realizadas. A Fundação Arte Moderna e Contemporânea- Colecção Berardo, têm no entanto um presidente honorário e vitalicio, com poder de nomear e destituir " em exclusividade" o director do Museu: Joe Berardo.

2. A colecção Berardo é cedida temporariamente a esta Fundação para que seja exposta naquela que é a mais moderna e provavelmente melhor equipada sala de exposições do país, no Centro Cultural de Belém. Para esse efeito, o CCB retirou das suas instalações o Museu do Design, que entretanto vai ser transferido para um palacete a Santa Catarina, museu esse, que vai ser gerido por Joe Berardo ( vá se lá saber porquê).

3. O Estado paga as despesas de funcionamento da Fundação e cede o espaço. Joe Berardo cede a colecção. Ambos se comprometem, no entanto, a adquirir novas peças para a Fundação, oferecendo cada um deles cerca de 500.000 eur. anuais.

4. No final, ou Joe Berardo compra as novas aquisições feitas para a Fundação, com o dinheiro dado pelas duas partes, ou o Estado compra a colecção Joe Berardo. Parece simples!

A pergunta que me resta é a seguinte:
Onde tem o Estado Português dinheiro para comprar a Colecção Berardo?
Terá dinheiro Joe Berardo para comprar as novas aquisições? Muito provavelmente...
Estamos no campo da pura especulação, mas dentro de 10 anos cá esperamos estar para ver.
Não me admira que o proprietário da Quinta da Bacalhôa, que depois de ter feito alterações num imóvel classificado como aquele e que respondeu ao IPPAR com um cheque para pagamento da respectiva multa, se importe muito de passar outro para pagar mais umas peças para a sua colecção.

Entretanto sou assaltado por alguma angústia!

Saberá o Sr. Primeiro Ministro o valor máximo concedido a um Museu Nacional para novas aquisições no período pós 25 de Abril? Talvez não saiba...
O recorde é detido pelo Museu Nacional de Arte Contemporânea, vulgo Museu do Chiado, e o valor é de 100.000 eur. Curioso não é?

O acordo para a criação de uma nova Fundação de capitais públicos não traz nada de bom para a Cultura. E não traz nada de bom, porque a cultura vive à mingua há décadas. Não há dinheiro para as coisas mais básicas, mas isso parece não preocupar o PM ou a Ministra da Cultura. A mesma Ministra que teve a coragem de se manifestar contra este acordo, e que uma semana depois se viu forçada a reconhecer a sua aprovação, negociada directamente pelo gabinete do Sr. primeiro Ministro, desautorizando-a assim publicamente. O minimo era a demissão da Ministra, mas não, para tanto lhe faltou a coragem...
Talvez seja importante recordar que o assessor cultural do Sr. Primeiro Ministro veio para o seu gabinete depois de ter passado pelo grupo Joe Berardo. Talvez não explique a feliz coincidência, mas é curioso não é?
E o CCB?? Ninguém fala do CCB? Que ganha afinal o CCB com isto tudo, para além da ocupação durante anos da totalidade das suas salas de exposições? Ainda que seja certo que fica com os dois auditórios, as bilheteiras e os foyers..
Bem teria feito o Sr. Presidente da República em não ter promulgado tal diploma. Fê-lo com "dúvidas".
Melhor seria não o ter feito...

9 comentários:

Diogo Ribeiro Santos disse...

A cultura anda à míngua há décadas porque é pedinchona e vive com a mão estendida para o Estado, a palma sempre virada para cima, a ver o que cai. É essa mentalidade, mais do que qualquer ausência de política cultural coerente, que reduziu o património cultural português ao estado a que chegou. Neste jardim à beira-mar plantado dependemos do Estado para tudo: para pagar os museus e ainda para dar uma ajuda para a conta da electricidade. Este acordo Estado/Berardo pode ser um bom exemplo de um novo paradigma para a cultura, assente em parcerias público-privadas. Por que não um Museu Nacional de Arte Antiga - Millennium BCP? Ou um Museu do Teatro - Sonaecom? Não sei se resulta, mas pode ser que sim. Talvez isso fizesse mais pelo nosso património do que chorar o eterno fado do coitadinho sobre as nossas colecções, que se enchem de poeira nas paredes e caves de museus sempre vazios. Quem sabe...

Anónimo disse...

O Museu do Design ficará instalado num palacete de Santa Catarina juntamente com o Museu da Moda. O imóvel é propriedade da Câmara Municipal de Lisboa e é esta instituição que fará a gestão de ambos os museus. O espólio dos Museus pertece ao coleecionador Francisco Capelo que era quem escolhia e comprava as obras de arte que constituem a Colecção Berardo. Mas como o Capelo e o Joe Berardo se zangaram esta parceria acabou.
Entretanto o Berardo conseguiu a proeza de instalar a sua colecção no CCB e com isso o Capelo (agora seu inimigo) teve uma ordem de despejo...
Isto tudo apenas para dizer que apesar de o seu texto estar correcto, não é verdade que o Berardo tenha alguma coisa a ver com o futuro Museu do Design. Antes pelo contrário...

Quanto à promulgação do Presidente, se ele não o tivesse feito iria ser sempre acusado de ser um economicista ignorante para quem a cultura não tem qualquer interesse. Mais, a responsabilidade não deve ser atribuida ao Presidente (que não tinha que começar uma guerra com o governo por um assunto que está longe de ser central para o país) mas sim a quem negociou o documento.

Diogo Ribeiro Santos disse...

A cultura não tem como fim último o lucro? Nem como fim penúltimo, espero! Mas uma coisa é não ser lucrativa; não é, nem tem de ser. Outra coisa é procurar racionalizar os recursos afectos à cultura e, sobretudo, diversificar as suas fontes.
E a cultura é pedinchona, sim! Essa acusação não se afasta pelo sofisma de afirmar que os palácios nacionais e os museus nacionais são do Estado, ou seja, de todos nós, e que temos de arranjar dinheiro para pagar o que é nosso. As escolas, hospitais e auto-estradas, as pensões de reforma também são de todos nós; mas se não tivermos dinheiro para os pagar, não os podemos ter. Isto aplica-se aos palácios e museus nacionais: ou encontramos forma de os financiar, sem ser por recurso ao Orçamento do Estado, ou temos mesmo de os privatizar ou vender em hasta pública.
É fácil dizer que o Estado é que tem de pagar. É fácil pedir uma política cultural. E até é fácil concebê-la, se quisermos que não saia do papel. É fácil e é bem português. Menos fácil é dizer como e quem paga essa política. Menos fácil é ter de escolher o que fica de fora: quero museus ou hospitais, palácios nacionais ou escolas, colecções ou auto-estradas, pensões de reforma ou estações arqueológicas? Um pouco de tudo? Quanto?

Anónimo disse...

Oh DRS,

"Menos fácil é ter de escolher o que fica de fora: quero museus ou hospitais, palácios nacionais ou escolas, colecções ou auto-estradas, pensões de reforma ou estações arqueológicas?"

Vossa Excelência não estava em si quando escreveu isto, pois não? É que nem parece seu!

A cultura é responsabilidade de todos.

Fala de parcerias publico-privadas? Pois bem, eu posso dizer-lhe o seguinte: o Museu de Arte Antiga conseguiu um apoio mecenático do Millennium BCP no valor de 1 milhão e meio de Euros. Não é muito mas garantia a realização de uma programação de qualidade para o próximo ano. Acontece que os Museus não têm autonomia e por essa razão essa verba entrou directamente para os cofres do Instituto Português de Museus que, escandalosamente, não o distribui atempadamente pelas actividades do MNAA. Ao ponto de o catálogo da exposição da Colecção Rau ter esgotado e o Museu não pôde mandar fazer mais pq o IPM não pagou as anteriores facturas e a gráfica recusa-se a fazer uma reedição enquanto não receber o que está em atraso.

Este é um de muitos casos... O que o PBH diz faz todo o sentido: não existe política cultural em Portugal. É evidente que o problema não é de hoje. Mas também me parece evidente que esta Ministra (que até é muito simpática) está a acabar com o pouco de política de cultura que existia.

Falam do caso Berardo mas há mais. Esta ideia peregrina de acabarem com o Museu de Arte Popular para lá instalarem um sucedâneo do Museu da Língua Portuguesa não lembra a ninguém. Vão gastar milhões de euros que poderiam ser aplicados no restauro de tantos e tantos monumentos que estão a cair (Palácio da Ajuda e tantos outros monumentos nacionais) para criarem um espaço condenado ao fracasso!

É triste que o pouco orçamento que a Cultura tem seja desbaratado em coisas tão pouco importantes. Não sei se a cultura é pedinchona ou não. Mas se é, a culpa só pode ser de décadas e décadas de ausência de políticas de fomento à criação de públicos e de habituação dos agentes culturais a elaborarem projectos que, de uma forma ou de outra, se auto-financiem...

Abraços caríssimos!

P.

Anónimo disse...

O Museu do Design saiu do CCB porque o proprietário vendeu a colecção à Câmara de Lisboa - o que aconteceu muito antes do acordo Berardo-MC-CCB. Vai ser instalado (com a colecção de moda também vendida) num palacete a Sta Catarina, apesar de se ter previsto a sua instalação no Pavilhão de portugal, que continuará sem projecto de recheio. O director não será o Berardo, que foi o último a saber da venda de uma colecção que lhe estava hipotecada...
Parei a leitura neste ponto, porque sem informações correctas não há análises que valham.
Alexandre Pomar

Diogo Ribeiro Santos disse...

Calma, caro pr. A frase que cita entre aspas é apenas a paráfrase da famosa alternativa do tempo da guerra, "Armas ou manteiga!". Com isso, queria apenas significar que os recursos existentes não chegam para tudo e que é preciso fazer escolhas. Claro que escolher hospitais não implica desistir dos museus, mas obriga a decidir que verbas vão para uns e para outros. É só isto, certo?
O PBH aproxima-se disso ao propor uma dotação de 1,5% do OE para a Cultura. O número é discutível, mas serve de base para a discussão. Seguidamente, é necessário optar: aumenta-se a despesa pública em 1,5% ou retira-se a outras áreas? E quais?
Chegados ao fim do processo, continuamos com uma cultura estatizada e dependente de subsídios para sobreviver. Prefiro uma solução que assente em parcerias público-privadas, ainda que tenhamos de enfrentar obstáculos como os que o pr refere. Com tempo e paciência, isso corrige-se...

Diogo Ribeiro Santos disse...

Caro PBH,
Já tinha dito em outro comentário que apoiava essa proposta. Simplesmente, o Governo não vai poupar os tais 16%, porque vai continuar a subsidiar os preços da electricidade. A decisão de limitar os aumentos a 6% vai custar 120 milhões de euros aos cofres do Estado. Ou seja, menos 120 milhões para os palácios e museus. São as tais opções...

Anónimo disse...

E as casas de banho ficaram para quêm?

Anónimo disse...

Com tantas dúvidas e diferentes opiniões expliquem-me cá porque é que a colecção teve de ir para Belém, saindo de onde estava?