17 outubro 2006

A Cultura segundo o Eng. Pinto de Sousa...


A Ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, anunciou este fim de semana a criação do Museu da Língua Portuguesa. A ideia parece interessante e até mesmo original, mas não é. Tudo leva a crer que depois da visita que o Primeiro Ministro realizou ao Brasil, onde na cidade de S. Paulo teve oportunidade de visitar um museu com o mesmo nome, tenha ficado inspirado para fazer o mesmo na terra pátria. Ora, o que acontece, é que os brasileiros, que em relação ao estudo, promoção e difusão da língua Portuguesa, já nos ultrapassaram faz muito tempo, fizeram de facto uma obra notável. Refira-se que esta obra, resultado de uma parceria entre a Secretaria de Cultura do Estado de S. Paulo e a Fundação Roberto Marinho, entre outras instituições que se associaram ao projecto, entre elas a Fundação Calouste Gulbenkian, custou 36 milhões de dólares. É a primeira instituição do género totalmente dedicada ao idioma natal de um país, e está instalada num bonito edificio histórico da cidade -Estação da Luz- agora reconvertida em Museu. O projecto museográfico foi entregue a Ralph Appelbaum, que assinou também a autoria do Museu do Holocausto, em Washington, e a Sala de Fósseis do Museu de História Natural, em Nova Iorque.
Ora, em Portugal, e depois do deslumbramento do senhor Primeiro Ministro a Dra. Isabel Pires de Lima anuncia a criação de um museu idêntico, no local onde está instalado o Museu Nacional de Arte Popular.
Para aqueles que não se recordam que museu é este, e devem ser muitos visto o museu estar encerrado para obras há cerca de uma década, devo recordar que é um edificio que se situa em Belém, junto ao espelho d'água. Pois é, esse edificio que outrora conservava uma colecção notável de arte popular e etnográfica portuguesa e que está encerrado ha mais de 10 anos por falta de dinheiro para o seu restauro é onde a Sra. Ministra quer fazer o novo museu.

Consideremos:

1) O Museu de Arte Popular é um Museu Nacional, e como tal deve ser considerado. Ao fim de uma década sem dinheiro para o seu pleno funcionamento o governo prepara-se para o abandonar e reconverter noutro Museu.

2) O Estado Português é detentor de magnificas colecções de Arte Antiga, Moderna e Contemporânea, espalhadas pelos diversos Museus Nacionais e Casas Museu, assim como por Palácios, Mosteiros e Igrejas. É ainda responsável pela conservação dessas colecções, assim como pelos Arquivos Nacionais e pelos inúmeros arquivos históricos pertencentes a várias instituições, de si directamente dependentes.

3) É igualmente da responsabilidade do Estado, através do Minitério da Cultura, a conservação e manutenção do património edificado e arqueológico, considerado de interesse nacional e devidamente classificado.

4) O Estado, por efeito da ausência de uma real política cultural tansversal a todos os governos desde o 25 de Abril, não tem logrado cumprir com as suas responsabilidades nestas matérias, ainda que, sucessivos governos tenham reformado o MC várias vezes, sem contudo nenhum deles ter dotado o mesmo Ministério de um orçamento considerável e que ainda hoje não ultrapassa 1% do OE.

5) No meio de tantas responsabilidades e de tão pouco dinheiro, o actual governo já nos brindou com mais dois presentes envenenados e que pelos vistos são do agrado de todos. O primeiro é o inacreditável negócio com a Fundação Berardo para a instalação da colecção privada do cavalheiro no CCB. A segunda a criação de um Museu da Lingua Portuguesa.

Estas duas matérias dariam lugar a um extenso texto, prometo no entanto voltar a elas.

Quanto ao novo Museu da Língua Portuguesa refira-se apenas que o projecto português é uma simplória imitação, em pequenino e em falido, daquilo que os nossos amigos brasileiros fizeram, apenas justificável pelo deslumbramento do Eng. Pinto de Sousa e da sua Ministra, que de política cultural têm pouca noção e que consideram que o importante é o espetáculo, ainda que caro e mau, com que acenam ao povo através de grandes obras lesivas do erário público e dos bens culturais do país, que vão desaparecendo diariamente pela incúria e pelo desinteresse do Estado, dos privados e dos cidadãos.

5 comentários:

Anónimo disse...

É comum na sociedade portuguesa culpar-se o Estado por tudo e por nada. Os cidadãos muitas vezes têm motivos para o fazer. Não basta! Em primeiro lugar o Estado não pode nem deve ser paternalista. O Estado tem responsabilidades acrescidas em determinadas áreas da vida nacional como na Educação, Saúde,Segurança e Defesa Nacional, Ambiente,Ciência e Cultura para indicar apenas algumas... É para o Estado resolver os problemas nessas áreas que todos os portugueses contribuintes pagam os seus impostos (ou deveriam fazê-lo enquanto acto de cidadania). Não basta! Numa sociedade democrática, de características minimamente contemporâneas, o envolvimento activo dos cidadãos é essencial. Não é por pagarmos impostos que devemos delegar incondicionalmente e criticar de braços cruzados e à boca cheia, se me permitem a expressão, as acções ou ausência delas por parte do Estado, seja central, regional, ou local. O espírito crítico deve ser uma realidade, mas não pode ser completamente inconsequente e desresponsabilizador da intervenção de cada cidadão para o bem comum da comunidade. Se assim for, deixa de ser espírito crítico e passa a ser uma sessão de pura, irresponsável e despreocupada má língua. Não é de forma alguma o que verifico no artigo que o meu caro amigo PBH escreveu neste espaço. Este tipo de intervenções complementado com outras que sei que não são descuradas pelo seu autor são atitudes cívicas que muito prezo e compartilho vivamente. A área da cultura é sem dúvida um sector, inclusivamente de acção política, que muito tem sido secundarizado, quer na iniciativa estatal, quer na privada, ainda bastante incipiente, apesar de honrosas excepções como a sempre justamente citada Fundação Calouste Gulbenkian.
Após estas considerações mais gerais, devo acrescentar que em termos de política museológica o panorâma é igualmente desolador, mas por isso mesmo ultra estimulante em termos de intervenção política e participação cívica. Ao termos consciência da importância cultural e social de uma boa oferta museológica não podemos deixar de ser críticos em relação à política pouco criteriosa do ministério que tutela a cultura, em concreto o museu em questão. Os museus tutelados pelo IPM e os palácios nacionais, mosteiros e conventos tutelados pelo IPPAR, assim como o património de cariz arqueológico tutelado pelo IPA, dispõem de meios materiais e humanos comprovadamente insuficientes para realizar as missões respectivas. Tal sucedeu com a reabilitação e adiada reabertura do Museu de Arte Popular. Agora, segundo informação divulgada pelo MC, irá receber o Museu da Língua Portuguesa. Concordo inteirammente com a observação do PBH quando afirma que o Brasil muito mais tem feito pela língua portuguesa do que a "Pátria-Mãe". A língua sem dúvida é património cultural e veículo de cultura, agora ainda mais que o conceito de cultura ou património imateriais está em pleno desenvolvimento.
Mas fará sentido, é uma questão de organização de prioridades,fará sentido dizia eu que sofrendo das carências gritantes museus e palácios nacionais, seja indicado esta obra como a vanguarda da acção do governo em matéria cultura? Fará sentido, manter o CCB e a Fundação de Serralves, equipamentos culturais de reconhecida utilidade pública cultural, mas que absorvem uma fatia significativa do orçamento, estando museus e palácios nacionais em situações de estagnação ou até mesmo de degradação evidentes?
O Património Cultural é único e irrepetível. Os erros pagam-se caro, por vezes de forma irramediável... Qume perde somos todos nós. A construção da memória, mas também a produção e fruição artísticas contemporâneas, são algo de essencial à formação dos portugueses, ou de qualquer ser humano, enquanto indíviduos e cidadãos.
É na presença de certos esquecimentos que devemos sublinhar o lembrete! Este lembrete!

Diogo Ribeiro Santos disse...

Era importante fazer qualquer coisa, era... Mas não um abaixo-assinado, era um cheque assinado. A cultura não precisa de mais palavrório e sim de novas formas de financiamento, de parcerias, de um melhor mecenato, de envolvimento da "sociedade civil". Ah, e acima de tudo, precisa de que o português médio se interesse, e visite os museus, e valorize o que lá tem!...

Anónimo disse...

Meu caro PBH,

Já tivemos um projecto em comum para musealizar um espólio patrimonial esquecido algures em Mora... São estes projectos e tantos outros que devem ser impulsionados e dinamizados. Há que tentar 100 ou 1000 deles para que um tenha princípio, meio e fim! Por isso não nos ficamos pelas palavras, tentamos através de acções! Estou certo que a causa cultural terá em ti, como também em mim, e felizmente num grupo já bastante considerável de pessoas (poucos são decisores políticos...)um conjunto de defensores incansáveis, incorformados e que sabem argumentar e agir!

ASD

Health Yatra disse...

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Diseases and Conditions disse...

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