24 janeiro 2007

A "filha" dos portugueses

Talvez daqui a uns tempos a pequena … hoje com 5 anos, poderá perceber o que se passou no seu país durante aquele Janeiro frio e solarengo de 2007.

O caso é conhecido da esmagadora maioria dos portugueses. Mas vamos a factos.
Uma mãe desesperada entrega a sua filha de três meses a um casal que decide cuidar dela, enquanto o pai biológico até aí incógnito e após rocambolescas dúvidas, decide requer a paternidade dela.
Um ilustre tribunal atribui-lhe esse direito, sem consultar a família que a acolheu, ignorando a mãe biológica, além do processo de adopção a correr noutro tribunal.
Por fim, o tribunal intima a família “pré-adoptiva” a entregar a criança ao pai biológico, coisa que não cumprem, e como tal, à segunda intimação não cumprida o colectivo de juízes decide aplicar uma pena de seis anos de prisão ao pai “adoptivo”, assim como a obrigação de indemnizar o pai biológico em 30.000€.

Não relato estes acontecimentos para aumentar o rol de indignados ou de justiceiros, nem para invalidar a seriedade e importância deste caso. Faço-o porque considero importante analisar um conjunto de efeitos que estão a ser desencadeados por uma espécie de teledrama.
E começo por aqui. A comunicação social desde a primeira reportagem, deu a perspectiva de uma injustiça pronta a ser cometida. Um pai adoptivo, militar de profissão, estava em risco de ser preso por não entregar a sua “filha” a um pai biológico que transpirava a mau carácter e pecuniário interesse. A certa altura já era o caso do “Militar que é preso por amor”, sem nunca dar a conhecer o que aconteceu nos últimos 5 anos, nem tão pouco qual a história do processo judicial.

Depois da sua condenação, veio a avalanche de notícias diversas sobre a incompetência e desumanidade da justiça portuguesa, os directos com a indignação dos populares no melhor estilo de “cada cabeça sua sentença” e até as fascinantes reportagens em plena aldeia do pai biológico, com entrevistas aos vizinhos e imagens da pobre e humilde casa da família.
Chegou ao ponto do programa “prós e contra” da RTP fazer um debate dedicado à questão da Adopção, mas a única coisa de que se falou em horas de emissão foi apenas este caso concreto. A Fátima Campos Ferreira, faltou isenção, objectividade e imparcialidade na condução do programa, ignorando que em Portugal a questão da adopção não só é importante, como representa uma solução para somente 2% das crianças que estão em todo o género de centros juvenis.

Em segundo lugar e em meu entender, todo este desenrolar de eventos potenciou as reacções emocionais genuínas de milhares e milhares de cidadãos que rapidamente e como há muito não se via (desde o episódio - Timor) activaram redes de contactos, assinaram petições por todo o país e deram voz à sua indignação. Em boa verdade concedo a dúvida, que muitos se sentiram um pouco, pais e mães daquela criança.

Por fim, algumas notas e dúvidas soltas.

Em que medida neste caso, a objectividade e a sensatez estão a ser substituídas por um gigantesco coro de juízos de valor e emoções exacerbadas?

O facto do pai adoptivo ser militar contribui para a nossa empatia? Será que a farda ainda produz nos subconscientes a ideia de seriedade e conduta honrosa? E qual a razão dos media usarem constantemente a expressão “militar” em vez do seu nome próprio?

Poderemos estar a entrar numa nova era de cidadania participativa em que a pressão popular pode condicionar decisivamente a aplicação da justiça?

Alguém sabe ao menos o nome da criança? Em tanto folhetim mediático julgo que ninguém se lembra ao certo porque o nome próprio é constantemente substituído pelos termos, criança, menina ou menor. A justiça deve ser cega e rigorosa, mas será que está a tornar-se fria e desumana?

E quando este teledrama for substituído por outro, espero sinceramente que a Ana Filipa tenha a melhor vida possível e que um dia compreenda o que se passou naquele Janeiro frio e solarengo de 2007.




4 comentários:

Pedro BH disse...

A era da imagem em que vivemos produz desastres como este.
Vivi de perto, há alguns anos, uma experiência parecida, por envolvimento numa Instituição, em que a adopção de uma criança levou à boca de cena a sua vida, os seus pais naturais, os pais adoptivos, a família de acolhimento, os vizinhos, os amigos e toda uma Instituição. Houve condenações e recriminações de todo o tipo.
Hoje, passados tantos anos, ninguém faz a mínima ideia do que aconteceu àquela criança. Destruiu-se a sua intimidade, destrui-se a intimidade de duas familias, destruiu-se a idoneidade de uma instituição, para no final, a única coisa realmente importante a ser preservada, se esquecer...
Deixou de ser mediático e deixou de emocionar e vender jornais.
Wellcome to the image era....

Consciência Critica disse...

Por muito que concorde com a exploração da comunicação social a este “Little Brother”, não deixo de ter para mim como liquido, que foi uma situação muito mal gerida. É que às questões aqui colocadas, são pertinentes e absolutamente realistas, mas deveremos analisar também aspecto do senso de justiça. Senão vejamos, em meu entender:
1- Existe a exploração da militarização como conduta digna e irrepreensível, e o simples facto da maioria das pessoas desconhecerem o nome da criança, mais enfatiza a exagerada exploração feita pelos órgãos de comunicação.
2- Entendo que uma cidadania participativa, desde que não exacerbada, e se for construtiva, poderá constituir-se realmente como uma forma de pressão salutar, permitindo a essência fundamental da liberdade participativa e de um estado verdadeiramente democrático.
3- É um facto que a justiça deve ser cega e rigorosa, mas lidamos com seres humanos, e não deve por isso ser desprovida de humanismo. O que nos transporta para a questão do que deve ser o senso de justiça.
4- Não houve objectividade ou melhor, não houve sensatez por parte do colectivo de juízes, afinal fazer justiça neste caso, não seria garantir o melhor para a Ana Filipa?

Consciência Critica disse...

Já agora... meu malandro.. tentaste enganar a malta. A pequenita chama-se afinal Esmeralda. (mas tinhas razão, ninguem sabe o nome)

Caetana disse...

ahhh, e atia que já tinha pedido a tia Alecrim que bordasse "Constancinha" num Babygrow que a tia ia oferecer à piquena...
Que maçada...