10 março 2008

D. João VI, o Brasil e Portugal


No sábado, cumpriram-se exactamente 200 anos desde a chegada da corte portuguesa ao Brasil, mais concretamente ao Rio de Janeiro.
A data está a ser amplamente comemorada em todo o país (Brasil) não só através de iniciativas da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, mas também de outras capitais assim como pelo governo federal.
Estive recentemente no Brasil e foi-me permitido observar de perto todo este movimento. Desde as escolas de samba cariocas, passando por exposições, debates, conferências e programas televisivos com uma programação anual dedicada ao tema, a figura de D. João e de Portugal são presenças omnipresentes no panorama cultural brasileiro em 2008.
Estranhamente, ou não, em Portugal muito pouco se ouve sobre programa de comemorações. Duas exposições, uma em Mafra e outra em Coimbra e um ciclo de conferências. Nada mais ouvi sobre o tema.
Estou cada vez mais convencido de que a razão para esta atitude dos portugueses face à sua história e às datas importantes que dela fazem parte se deve não só a uma profunda ignorância do seu passado, como ao total desinteresse da maioria da população, e por conseguinte dos governantes que a dirigem.
É profundamente constrangedor para um português minimamente atento e que por estas datas se desloque ao Brasil, perceber que o debate que por toda a parte se faz sobre 1808 é um debate sem a presença portuguesa. Isto acontece por duas razões: Porque os portugueses pura e simplesmente não fazem ideia do que aconteceu em 1808 e porque, se para o brasileiros a deslocação da capitalidade portuguesa para o Rio iniciou o seu processo de emancipação política que conduziu não só à independência mas também à conservação territorial do Brasil tal como o conhecemos hoje, constituindo um acto fundador da nacionalidade brasileira, para os portugueses, 1808 é apenas o ano em que o Rei fugiu das tropas de Napoleão.
É esta visão empobrecedora e ignorante que não permite ir mais além, não permite a discussão, o conhecimento ou o interesse.
A deslocação da corte portuguesa para o Brasil em Novembro de 1807 não foi a fuga de um Rei e da sua família para o exílio mas sim uma opção política, a meu ver muitissimo inteligente, de manter a soberania nacional perante a ameaça napoleónica. Naquela noite de Novembro não foi apenas D. João e a Rainha D. Maria I que embarcaram. Com eles embarcaram cerca de 10 mil pessoas, entre ministros, juizes, militares, diplomatas, e todo o conjunto da administração pública portuguesa juntamente com as suas familias e bens. Depois dessa noite muitos mais embarcaram ao longo dos vários meses que se seguiram. Trata-se pois de um aconteciamento inédito, impensável para muitos, ainda nos dias de hoje, do ponto de vista político e logístico, mas que aconteceu em Portugal no princípio do Séc XIX. Nunca até essa data um soberano europeu tinha visitado uma colónia e muito menos se deslocara ao continente americano.
A dimensão deste acto político é sem dúvida enorme, em primeiro lugar para o Brasil, mas também para Portugal pelas suas características inéditas que marcaram em definitivo a sociedade brasileira e a relação entre os dois países.
O Presidente da República deslocou-se este fim de semana ao Rio marcando com a sua presença, ao lado do Presidente brasileiro, e a convite deste, o início das comemorações oficiais.
Fez bem e o programa da visita foi muito interessante. Seria contudo de esperar que em Portugal se tomassem iniciativas semelhantes e que o Presidente tomasse também para si a liderança no campo cultural de um programa de comemorações. Já não vai a tempo de as fazer nem creio que tenha muito interesse e é pena. No seu calendário presidencial aparece, ao fim de dois anos e pela primeira vez, uma visita de Estado a um pais da CPLP.
Moçambique foi o destino escolhido depois de Espanha, Índia, Chile e Jordânia. A lusofonia aparece em 5º lugar nas prioridades diplomáticas portuguesas.
Com o mesmo raciocínio há 200 anos Portugal teria deixado de existir.

6 comentários:

JOY disse...

É realmente estranho que em Portugal muito pouca atenção se dê a esse periodo da história Portuguesa, não sendo monárquico choca-me a indeferença com que tratamos a história no que toca aos ultimos 200 anos em que a monarquia reinou , e esse incómodo manifestou-se de uma forma mais intensa recentemente nos 100 anos do régicidio do rei D.Carlos em que o poder politico se negou a oficialmente relembrar o facto numa atitude a todos os titulos deplorável e de falta de coragem .

Joy

Anónimo disse...

Ya me suponía que al monarquico lisboeta no se le iba a pasar de largo el asunto de la llegada de los monarcas a Brasil. Habria sido muyyy raro.

Una pena, si es cierto el comentario de joy, que Portugal no lo recuerde, porque fue una jugada maestra. Mientras Carlos IV vendía España a los franceses, el rey de Portugal traslado todo su gobierno organizando una resistencia a Napoleón (tan lindo él, es uno de mis idolos :P) mucho mas sensata que la española. ¿Hubiera servido de algo que el rey se hubiera quedado en Portugal? No. Sirvió mucho mas que se fuera a Brasil porque allí estaba realmente el poder que Portugal necesitaba para repeler a Napoleón, fue fundamental para alejar a ese país de las luchas caudillistas en las que se hundió América durante gran parte del siglo XIX lo que hubiera trastornado el regreso de la monarquía a Portugal, fundamental para la independencia de Brasil que fue muchisimo menos traumatica que la de los demás países, y al regresar al trono portugues no hizo pasar al pais por el desastre que fue el gobierno de Fernando VII en España. Sinceramente pienso que Pepe Botella era mejor gobernante que ese sanguinario y despótico Borbón.

Una pena que los portugueses tengan problemas de memoria histórica.

André SD disse...

O Pedro tem toda a razão. É absolutamente lamentável que haja tanta confusão (intencional ou não) entre opções políticas e o culto da memória histórica. A construção da memória é um processo que deve ser transversal a todas as entidades, instituições e cidadãos. Um processo onde interajam e participem todos os elementos do colectivo nacional, pois quer sejam de esquerda, centro, de direita ou completamente anarquistas ou apolíticos fazem parte de um todo que é a Nação Portuguesa que tem um passado (com vários períodos e interpretações historiográficas - perdoem-me o preciosismo oriundo de defeito profissional), um presente e espera-se... um futuro! E como já algumas vozes sábias(sobretudo sensatas e moderadas)têm afirmado um povo que não cultiva de forma informada, razoável e despreconceituosa o passado e a memória colectiva é um povo sem futuro. Faz-me lembrar o triste episódio de uma tal associação antifascista (sim portuguesa!)que atacou o projecto de um museu em Santa Comba Dão que irá abordar a história do Estado Novo e da figura de António Salazar. Só varia o período histórico (não há pelo vistos ainda suficiente distanciação em alguns casos e acima de tudo lucidez!)

Pedro BH disse...

Caros comentadores

A razão deste post não é politica.

Não é pelo facto de ser monárquico que considero que os 200 anos da chegada da Corte ao Brasil deve ser comemorada.
As autoridades brasileiras que promovem as inúmeras comemorações do bicentenário não são seguramente monárquicas.

Trata-se isso sim de um dever cultural e histórico dentro do espírito da promoção cultural próprio das nacões informadas e civilizadas.

Anónimo disse...

Concordando completamente com o post, mas faço notar outras falhas, culturais e históricas, da nossa gente.

A 13 de Junho de 1888 nasceu Fernando Pessoa, um dos nossos melhores Poetas. Não sendo monarquico, como eu, era sebastianista. Esperava que, depois dos descobrimentos, algo de grande ainda podesse ser feito. Tal como disse o Poeta "tudo pela Humanidade, nada contra a Nação".

Este ano, ainda não vi nada para comemorar os 120 anos do seu nascimento.

Ontem foi o "Dia Mundial da Poesia".

Vou esperar.

Pedro BH disse...

Caro anónimo.

Infelizmente creio que a única coisa que pode fazer é esperar, ou então desenvolver por si, juntamente com uns pitorescos um programa autónomo de celebração.

Já dizia o poeta:

« Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor de terra
Que é Portugal a entristecer-
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo fátuo encerra»

Estávamos em 1933....