26 agosto 2006

Purga estalinista II


O episódio da substituição de Carlos de Sousa à frente da Câmara Municipal de Setúbal veio revelar, entre outras coisas, uma profunda contradição do PCP, que muda de convicções conforme a conveniência do partido.

Alegando razões pouco claras e no mínimo duvidosas, o PCP solicita ao ainda Presidente da Câmara de Setúbal que renuncie ao seu mandato, passando o número três da edilidade a comandar a autarquia. Esquece-se o PCP que, se há eleições “personalizadas” em Portugal, são as autárquicas, onde, mais do que no partido, os eleitores votam na pessoa que querem para liderar a Câmara. Aliás, no caso concreto de Setúbal, é sabido que foi a personalidade de Carlos de Sousa e o seu prestígio enquanto autarca que permitiram ao PCP retirar a Câmara das mãos do PS em 2001 e mantê-la nas eleições de 2005. Neste contexto, só se poderia entender esta substituição à luz de factos graves, que até agora ninguém evocou. Pelo contrário, alegou-se uma suposta necessidade de renovação e articulação dentro do executivo camarário, no que se pode considerar como uma avaliação negativa feita pelo PCP ao trabalho da Câmara de Setúbal. Mas tudo isto é ainda mais estranho se atendermos a que, em Outubro do ano passado, tivemos eleições autárquicas, tendo na altura o partido e sobretudo os eleitores de Setúbal renovado a confiança em Carlos de Sousa.

Claro que nenhuma destas observações se colocaria caso Carlos de Sousa tivesse saído por vontade própria, mas não foi este manifestamente o caso. Estamos perante um saneamento, à boa maneira soviética de outros tempos, onde prevalecem as escolhas do partido sobre as escolhas dos eleitores, naquilo que é não apenas mais um episódio da eterna guerra entre a linha ortodoxa do PCP e os chamados renovadores, mas sobretudo um enorme desrespeito pelo voto popular, livre e democrático.

A minha curiosidade a propósito deste episódio levou-me, aliás, a fazer uma breve pesquisa e a ler o “Avante” n.º 1596 de 1 de Julho de 2004. Dizia nessa altura o PCP, a propósito da substituição de Durão Barroso por Pedro Santana Lopes: “o PCP salienta que qualquer substituição do primeiro-ministro por outra personalidade indicada pelo PSD, com ou sem a realização de um congresso deste partido, seria uma solução artificial e inaceitável no actual quadro político, e destituída de um mínimo de consistência e credibilidade.” E diziam ainda os comunistas: “o PCP afirma, com toda a clareza e sentido da responsabilidade, que a solução democrática que se impõe é, através de eleições antecipadas, dar a palavra ao povo português para que se possa pronunciar, como é desejável, por um novo rumo, uma nova política e um novo governo para o País.”

Então e agora? O PCP, através da sua estrutura local, faz uma avaliação negativa do trabalho da Câmara, e os eleitores, que ainda há 10 meses votaram em Carlos de Sousa para presidente? Que pensam eles? Já não é necessário ouvi-los? E as soluções artificiais e inaceitáveis? E a consistência e a credibilidade? Onde estão a clareza e o sentido da responsabilidade tão proclamados em 2004?

Enfim, posto tudo isto, podemos seguramente rematar que, assim se vê a coerência do PC!

1 comentário:

Anónimo disse...

VIVA O COMANDANTE